Thursday, March 25, 2004
Gosto. Não gosto. Gosto da subtileza das palavras quando se combinam em equações absurdas e suspeitas, quando alguém se aventura a fundir num verso o gelo e o deserto, quando nos levam, as palavras, a onde os olhos não podem, não conseguem, onde os odores e os perfumes se submetem, onde os sentidos amortecem e mesmo o mundo se esquece de si próprio. Gosto das florestas improváveis de árvores infinitas, gosto de me sentir senhor do anel dos teus braços, gosto destas imagens, que são só fileiras de palavras ou palavras enfileiradas e no entanto são tanto e são tudo, o teu cabelo bailando com a maresia ou suspensa de um raio na terna mansidão da manhã despontando. Gosto da brisa soprando e desgosto de quem a tenha por vento fraco. Desgosto de quem desgosta das palavras, de quem não as usa, de quem delas abusa, de quem as maltrata, de quem as mata e muito mais que tudo, gosto de como te amam, as minhas palavras. E de como não te conseguem amar, de como procuram a chave de todas as equações para que não pareçam sempre pequeninas e inócuas por não abarcarem o tudo que és, que me dás e me fazes querer ser.
Monday, November 24, 2003
Como descobrir que o mar morreu... Morrerá mesmo, acredito. Obrigado por tudo, Pequenina.
Horizonte
de zeros
nebulosos
todos os rostos
que não são
o teu
Um dia
sem ouvir
a tua voz
é como descobrir
que o mar
morreu
David Mourão Ferreira (de «A Um Corpo»)
Horizonte
de zeros
nebulosos
todos os rostos
que não são
o teu
Um dia
sem ouvir
a tua voz
é como descobrir
que o mar
morreu
David Mourão Ferreira (de «A Um Corpo»)
Friday, November 21, 2003
Não sabes ainda mas tenho um poema que escrevi há muito tempo e é tão sórdido e ainda assim tão cheio de sentido como os de Herberto Hélder. Falam do tudo e falam do nada. Mostram em absoluto tudo aquilo que verdadeiramente importa. TU....
Não sei como dizer-te que minha voz te procura e a atenção começa a florir, quando sucede a noite esplêndida e vasta. Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos se enchem de um brilho precioso e estremeces como um pensamento chegado. Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante, e na terra crescida os homens entoam a vindima - eu não sei como dizer-te que cem ideiias, dentro de mim te procuram.
Quando as
folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a
primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega dos meus lábios,
sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milgares
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
que te procuram.
Herberto Hélder
Não sei como dizer-te que minha voz te procura e a atenção começa a florir, quando sucede a noite esplêndida e vasta. Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos se enchem de um brilho precioso e estremeces como um pensamento chegado. Quando, iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado pelo pressentir de um tempo distante, e na terra crescida os homens entoam a vindima - eu não sei como dizer-te que cem ideiias, dentro de mim te procuram.
Quando as
folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
- E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
- não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a
primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço –
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega dos meus lábios,
sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave – qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milgares
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
que te procuram.
Herberto Hélder
Thursday, November 20, 2003
Por vezes, Amor, nas palavras dos outros encontramos preciosidades como esta de Guerra Junqueiro que te dizem tudo aquilo que é em mim o teu nome, a tua imagem e a tua presença.
Se pudesse seria um ladrão de palavras. Rouba-las-ia a Neruda e a Junqueiro e a mil outros mais para que fossem todas tuas e só tuas as jóias que estas almas colheram na vastidão dos dias.
És tu quem me conduz, és tu quem me alumia,
Para mim não desponta a aurora, não é dia,
Se não vejo os dois sóis azuis do teu olhar.
Deixei-te há pouco mais dum mês, – mês secular
E nessa noite imensa, ah, digo-te a verdade,
Iluminou-me sempre o luar da saudade.
E nesses montes nus por onde eu tenho andado,
Trágicos vagalhões dum mar petrificado,
Sempre adiante de mim dentre a aridez selvagem,
Vi como um lírio branco erguer-se a tua imagem.
Nunca te abandonei! Nunca me abandonaste!
És o sol e eu a sombra. És a flor e eu a haste.
Na hora em que parti meu coração deixei-o
Na urna virginal desse divino seio,
E o teu sinto-o eu aqui a bater de mansinho
Dentro em meu peito, como uma rola em seu ninho!
Guerra Junqueiro
Se pudesse seria um ladrão de palavras. Rouba-las-ia a Neruda e a Junqueiro e a mil outros mais para que fossem todas tuas e só tuas as jóias que estas almas colheram na vastidão dos dias.
És tu quem me conduz, és tu quem me alumia,
Para mim não desponta a aurora, não é dia,
Se não vejo os dois sóis azuis do teu olhar.
Deixei-te há pouco mais dum mês, – mês secular
E nessa noite imensa, ah, digo-te a verdade,
Iluminou-me sempre o luar da saudade.
E nesses montes nus por onde eu tenho andado,
Trágicos vagalhões dum mar petrificado,
Sempre adiante de mim dentre a aridez selvagem,
Vi como um lírio branco erguer-se a tua imagem.
Nunca te abandonei! Nunca me abandonaste!
És o sol e eu a sombra. És a flor e eu a haste.
Na hora em que parti meu coração deixei-o
Na urna virginal desse divino seio,
E o teu sinto-o eu aqui a bater de mansinho
Dentro em meu peito, como uma rola em seu ninho!
Guerra Junqueiro
Monday, November 17, 2003
Sei que te tenho sempre ao meu lado, para as pequenas e para as grandes caminhadas, nos pequenos problemas e nas grandes arrelias, uma companheira e uma amiga, uma guia e uma aprendiz.
Quando em Agosto nos perdemos por montes e planaltos e divagamos entre a poeira dos caminhos, com todo o peso do Sol aos ombros, então ainda não o sabíamos, mas provávamos um ao outro que se os quilómetros (e a minha família) não foram capazes de nos amortecer os ânimos, pouco mais o poderá fazer.
Olhando para o Verão passado sei que ambas as coisas foram um risco com que poderia ter pago uma factura demasiado alta e a certa altura cuidei mesmo que te poderia perder. Quando descansavas da exaustão da estrada e te via ao meu lado com os olhos semicerrados apenas cuidava para mim que a tua vontade era voltar para trás sem refazer o caminho inverso, sem passos, sem peso aos ombros, para um algures no tempo onde eu ainda não existia para ti. Espero que tenhas noção, também, de que se tivesses voltado para junto dos teus pais as coisas teriam sido provavelmente diferentes; se calhar teriam sido mesmo uma espécie de antecipação do fim. Hoje, dou graças aos astros por não o teres feito. E peço –lhes também que possamos ter a oportunidade e a liberdade de caminhar como caminhamos mil e uma vezes mais, pelas estradas do mundo e pelas da vida, sem que tenhamos de pensar duas vezes no que o amanhã possa trazer consigo.
PS: Conto fazê-lo contigo já agora em Dezembro, uma manhã apenas, pelos horizontes que se alcançam das serras da minha infância.
Quando em Agosto nos perdemos por montes e planaltos e divagamos entre a poeira dos caminhos, com todo o peso do Sol aos ombros, então ainda não o sabíamos, mas provávamos um ao outro que se os quilómetros (e a minha família) não foram capazes de nos amortecer os ânimos, pouco mais o poderá fazer.
Olhando para o Verão passado sei que ambas as coisas foram um risco com que poderia ter pago uma factura demasiado alta e a certa altura cuidei mesmo que te poderia perder. Quando descansavas da exaustão da estrada e te via ao meu lado com os olhos semicerrados apenas cuidava para mim que a tua vontade era voltar para trás sem refazer o caminho inverso, sem passos, sem peso aos ombros, para um algures no tempo onde eu ainda não existia para ti. Espero que tenhas noção, também, de que se tivesses voltado para junto dos teus pais as coisas teriam sido provavelmente diferentes; se calhar teriam sido mesmo uma espécie de antecipação do fim. Hoje, dou graças aos astros por não o teres feito. E peço –lhes também que possamos ter a oportunidade e a liberdade de caminhar como caminhamos mil e uma vezes mais, pelas estradas do mundo e pelas da vida, sem que tenhamos de pensar duas vezes no que o amanhã possa trazer consigo.
PS: Conto fazê-lo contigo já agora em Dezembro, uma manhã apenas, pelos horizontes que se alcançam das serras da minha infância.
Friday, November 14, 2003
Tens mais que uma certa razão. Há muitos dias já - dias demais - que não te escrevo e que te não dou uma linha que seja tua e de mais ninguém. As que te tinha escrito, num intervalo entre sonos, deixei-as em casa; no caso um esquecimento derrubou um não-esquecimento e quando as coisas assim sucedem, os esfoços não são claramente válidos. Ontem, com a pressa de chegar a casa ou com a ânsia em alguma quietude sai do jornal com a cabeça cheia da tua ausência e acabei por deixar o disco em que transporto os textos para o jornal na drive da máquina com que estive a trabalhar durante o dia..
Só hoje de manhã - a última coisa que faço antes de sair de casa é ver aquilo de que poderei precisar ou não - vi que o que te tinha escrito não poderia ainda pagar o silêncio que cresceu neste blog nos últimos dias. E este final da semana não tem sido nem fácil, nem agradável: No outro dia, quando te enviei uma mensagem em que te dizia que estava até bem disposto - não me doia nada e havia até quem lesse ou visitasse aquilo do blog - disseste até que achaste piada e eu digo-te que falava verdade, que há dias em que me doi a cabeça e outros em que me doi a alma e quando isso acontece os dias parecem inválidos, basta isso para que as coisas não corram com a mesma fluência e com a mesma boa vontade que sempre existe em mim e raramente se concretiza.
Tenho pensado muito na semana que passamos juntos em Agosto - é sobre isso o "post" que tenho em casa e que te escrevi a contar com o hoje - e sobre como seria bom se a vida fosse uma longa caminhada como aquela que partilhamos, com cansaço sim, mas também com pequenos tesouros a cada passo e com horizontes vastos ao dobrar de cada monte. E com a calma da tua presença, sempre a calma e a força da tua presença. E acabo, naquele post que tenho em casa para ti com a data de hoje, a prometer para mim que quero incorrer contigo no risco de mil e uma caminhadas, de mil e uma descobertas, dos trilhos das serras revoltas e dos teus olhos verdes mel. Só pensando neles me livro da condenação surreal que é morrer aos poucos no sufoco das luzes da cidade.
Só hoje de manhã - a última coisa que faço antes de sair de casa é ver aquilo de que poderei precisar ou não - vi que o que te tinha escrito não poderia ainda pagar o silêncio que cresceu neste blog nos últimos dias. E este final da semana não tem sido nem fácil, nem agradável: No outro dia, quando te enviei uma mensagem em que te dizia que estava até bem disposto - não me doia nada e havia até quem lesse ou visitasse aquilo do blog - disseste até que achaste piada e eu digo-te que falava verdade, que há dias em que me doi a cabeça e outros em que me doi a alma e quando isso acontece os dias parecem inválidos, basta isso para que as coisas não corram com a mesma fluência e com a mesma boa vontade que sempre existe em mim e raramente se concretiza.
Tenho pensado muito na semana que passamos juntos em Agosto - é sobre isso o "post" que tenho em casa e que te escrevi a contar com o hoje - e sobre como seria bom se a vida fosse uma longa caminhada como aquela que partilhamos, com cansaço sim, mas também com pequenos tesouros a cada passo e com horizontes vastos ao dobrar de cada monte. E com a calma da tua presença, sempre a calma e a força da tua presença. E acabo, naquele post que tenho em casa para ti com a data de hoje, a prometer para mim que quero incorrer contigo no risco de mil e uma caminhadas, de mil e uma descobertas, dos trilhos das serras revoltas e dos teus olhos verdes mel. Só pensando neles me livro da condenação surreal que é morrer aos poucos no sufoco das luzes da cidade.
Thursday, October 30, 2003
Amanhã deixo-te um poema.
Mínimo ou máximo, como queiras
Ou mimos ou brincadeiras
Talvez o céu dê o tema
E nós sejamos estrelas. Eu e tu.
Amanhã deixo-te um poema que não queira rimar. Os poemas que querem rimar são maiores que quem os escreve e não digo que não os consiga escrever, mas não hoje, não aqui, não agora. O dia de hoje foi quase improdutivo por completo e, no entanto, estou cansado. Tenho sangue na boca que me arranha a garganta e que me faz apetecer cuspir para o chão como se cantasse uma melodia. Tenho saudades de todo o bem que há em nós só porque existimos. De como os dias e as coisas têm ritmo e rima quando a vida em nós cresce num abraço. Só para te dizer "Bom dia, amor. Lembro-me da tua voz".
Mínimo ou máximo, como queiras
Ou mimos ou brincadeiras
Talvez o céu dê o tema
E nós sejamos estrelas. Eu e tu.
Amanhã deixo-te um poema que não queira rimar. Os poemas que querem rimar são maiores que quem os escreve e não digo que não os consiga escrever, mas não hoje, não aqui, não agora. O dia de hoje foi quase improdutivo por completo e, no entanto, estou cansado. Tenho sangue na boca que me arranha a garganta e que me faz apetecer cuspir para o chão como se cantasse uma melodia. Tenho saudades de todo o bem que há em nós só porque existimos. De como os dias e as coisas têm ritmo e rima quando a vida em nós cresce num abraço. Só para te dizer "Bom dia, amor. Lembro-me da tua voz".